Nos estudos anteriores sobre Mediunidade
aprendemos que esta faculdade não é um fenômeno restrito de nosso tempo e
cultura, que o intercâmbio com o mundo espiritual sempre ocorreu em todas as
tradições, culturas, civilizações e tribos arcaicas. Por não ser exclusivo a
nenhuma crença religiosa, o Espiritismo nos permite um estudo e uma apreciação
mais clara e pura de como se processam os fenômenos mediúnicos (sobrenaturais).
O objetivo desse
texto é analisar os relatos tradicionais e oficiais da Igreja Católica sobre a
mediunidade dos santos e buscar entender o universo gigantesco do potencial
transcendente da consciência humana.
Na existência dos
grandes heróis da fé, que a Igreja denomina genericamente santos, encontramos
os mais notáveis e maravilhosos testemunhos espirituais da ação inteligente do
Mundo Invisível junto aos seres terrenos. O fato de serem ícones da Igreja
católica não altera nada a fenomenologia que apresentam, apenas se tem uma
interpretação diferente de seus prodígios. As fontes aqui utilizadas são
citações de biógrafos dos santos ou autobiografia destes cujas obras foram
autorizadas pela própria Igreja Católica. Os relatos e fatos citados foram
extraídos de obras chanceladas com o imprimatur e o nihil obstat da Igreja.
1. MEDIUNIDADE NO CATOLICISMO
Dentre as várias personalidades, destacam-se:
- SANTA TERESA D’ÁVILA
A clarividência (faculdade de ver os espíritos) na vida de Santa Teresa
de Jesus, a grande mística de Ávila, é por ela mesma atestada no magnífico
volume de sua autobiografia, precioso conjunto de depoimentos mediúnicos que
confirmam a veracidade e a lógica da interpretação espírita dos fenômenos
psíquicos, tão abundantes na vida dos grandes santos quanto na missão dos
verdadeiros médiuns.
As aparições de Cristo na vida da
grande mística de Ávila são inúmeras. No capítulo VII de sua Vida, fala das
graves irregularidades morais dos conventos espanhóis: “Usa-se tão pouco o caminho da verdadeira religião que o frade ou a
freira que começam a seguir deveras os seus chamados, mais devem temer os
companheiros de casa do que a todos os demônios... Não sei de que nos
espantamos vendo que há tantos males na Igreja; pois aqueles que deveriam ser
os exemplos de quem todos tirassem virtudes, só fazem manchar os esforços dos
Santos, passados nas lides da religião.” E refere-se a determinadas visitas
que compareciam aos conventos e que a Santa não cuidava serem moralmente
perigosas: “Estando eu com uma pessoa
pouco tempo depois de conhecê-la, quis o Senhor dar-me a entender que não me
convinham aquelas amizades, avisar-me e dar-me luz em cegueira tão grande.
Apareceu-me Cristo com grande rigor, dando-me a entender quanto aquilo Lhe
pesava. Vi-O com os olhos da alma, mais claramente do que O poderia ver com os
olhos do corpo e ficou aquilo tão bem impresso em mim que agora, passados vinte
e seis anos, ainda me parece que O tenho presente...Fez-me muito mal o fato de
não saber que era possível ver sem os olhos do corpo; e o demônio, que me
ajudou nesse engano, fez-me entender que era coisa impossível; que eu o havia
imaginado; que só poderia ser obra diabólica e outras coisas dessa espécie.
Contudo, sempre me ficava a ideia de que fora obra de Deus e que não era ilusão”.
No texto, é explícita a declaração da
clarividência da Santa. Cristo lhe apareceu e a repreendeu. Interessante é
notar a observação seguinte. Diz Santa Teresa que viu Jesus “com os olhos da
alma, mais claramente do que o poderia ver com os olhos do corpo”. Estava
absolutamente certa a grande Doutora da Igreja. A Doutrina Espírita explica
como se processa a sensibilização das antenas psíquicas para o fenômeno da
clarividência.
- SANTA BRÍGIDA
À semelhança das antigas profetisas do
Velho e do Novo Testamento, na mesma tradição que remonta a Miriã, irmã de
Moisés, com seus louvores a Deus e suas dificuldades mediúnicas; a Hulda, que profetizou
a destruição de Jerusalém; a Débora, com suas intervenções na política de seu
povo e de seu tempo e a Ana, filha de Fanuel, que reconheceu em Jesus menino,
quando apresentado do Templo, o Cristo prometido e assim o proclamou... Na
mesma trajetória espiritual de Francisco de Assis e de Catarina de Siena,
Brígida dirige sua palavra inspirada ao povo da Suécia. Fala aos reis e aos
príncipes de sua pátria, aos seus chefes religiosos locais e, finalmente, ao
próprio Papa de Roma. Foi, por isso, chamada de “correio a serviço de um Grande
Senhor”.
Transmite ao povo
palavras proféticas, que ouve das elevadas esferas espirituais. Chega a
anunciar catástrofes para a sua pátria e suas predições vieram a cumprir-se. No
processo de canonização, Petrus Olai, seu confessor e que muitas vezes
funcionou como seu secretário, relata que quando Fru Brigitta se estabeleceu em
Alvastra (Suécia), no ano de 1346, “aconteceu que Deus lhe concedeu em grande abundância
visões e divinas revelações; não enquanto ela dormia, mas em vigília, quando
orava. O corpo permanecia como sempre, mas ela era arrebatada em êxtase, fora
dos sentidos”. Era Petrus Olai que escrevia os ditados transcendentais e as
traduzia para o latim (“...cominciò
Petrus Olai a scrivere e a tradurre tutte le visioni e rivelazioni...”).
Em Roma, o Espírito
de São Francisco de Assis lhe apareceu numa Igreja a ele dedicada, no
Trastevere, no dia 4 de outubro de 1351, Brígida vê e ouve o Espírito do
Poverello, que lhe fala com especial carinho. Meses depois, a Santa, em
companhia de sua filha Karin (Catarina) e outros peregrinos se dirige a Assis.
Joergensen descreve as impressões da vidente sueca ao chegar ao humilde
santuário de Francisco. Traduzimos apenas o seguinte trecho: Sobre o altar não
havia nenhum quadro, mas estava São Francisco em pessoa. Dos estigmas de suas
mãos, de seus pés e do lado, EMANAVAM RAIOS DOURADOS; e esses raios
traspassaram o coração de Brígida: ‘Bem-vinda sejas aqui, aonde te convidei. Mas
existe uma morada que ainda é mais minha – a obediência...’
Santa Brígida escreveu
sob inspiração (psicografou) um livro denominado Sermo Angelicus. Estava ela em
Roma, por volta de 1350, hospedada num palácio que lhe fora oferecido
temporariamente pelo Cardeal Hugo de Beaufort, irmão do Papa Clemente VI, e que
na época residia em Avinhão. Foi na capela desse palácio que – como claramente
se expressa Joergensen - , “Brígida, sob o ditado de um Anjo, escreveu o
Sermo Angelicus”.
- SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE
Ampla faculdade de clarividência
possuiu Santa Margarida Maria Alacoque, a vidente de Paray-le-Monial. O Padre
J. Croiset, em seu Compêndio diz que Margarida Maria desde a infância via os
Espíritos de Jesus e de Maria Santíssima, havendo sido por gratidão à Santa Mãe
do Senhor, que a curara de uma paralisia, que acrescentou o nome de Maria ao
seu nome de batismo, Margarida Alacoque. Suas visões ela mesma descreve
amplamente em sua autobiografia. "Minha Mãe Santíssima me disse amorosamente,
para me consolar: 'Não temas coisa alguma; hás de ser minha verdadeira filha, e
eu hei de ser sempre tua boa Mãe”.
- SÃO JOÃO BOSCO
Um dos mais notáveis fenômenos mediúnicos da vida de Dom João Bosco é o
seu colóquio com o Espírito daquele que foi seu condiscípulo e íntimo amigo,
uma nobilíssima alma, Luís Comollo. O fato foi testemunhado pela mãe do Santo,
D. Margarida Bosco. O que não se pode saber ao certo - pelo silêncio que em
torno do singular fenômeno fez Dom Bosco - é que se o acontecimento se limitou
a simples clarividência, tão comum na vida do missionário italiano, ou se o
Espírito de Luís Comollo se materializou e pôde, assim, conversar mais
intimamente com seu amigo terreno. Esta última hipótese é bem plausível. De qualquer
modo, entretanto, o fenômeno é extraordinário e quem o descreve é o ilustre
Padre A. Auffray, no seu célebre Saint Jean Bosco, obra premiada pela Academia
Francesa.
Antes
de 1870, quando se completou a unificação da Itália, Dom Bosco havia previsto (premonição)
os acontecimentos políticos resultantes do "Risorgimento" e suas
implicações com a Igreja Romana. Chamado pelo Papa, a quem escrevera sobre o
assunto, São João Bosco anunciou a Pio IX os acontecimentos que realmente se
verificaram em futuro próximo: "anunciou - conta o Padre Luís Chiavarino -
a terrível batalha entre a França e a Prússia; predisse que as tropas de
Napoleão seriam retiradas de Roma; falou da queda do Império Francês e das
grandes catástrofes que se desencadeariam sobre a França..." Perguntou
ainda ao Papa se poderia prosseguir com suas revelações. Mas, Pio IX,
comovidíssimo com as predições, pediu-lhe que não continuasse.
- SANTA JOANA D´ARC
A médium Joana D´Arc escutava
a voz do espírito (clariaudiente) de S. Miguel, patrono dos franceses, acompanhado de Santa
Catarina e Santa Margarida.
- SANTA LUZIA
Imune às chamas, teve visões do espírito de Santa
Ágata e outras entidades espirituais, que a auxiliaram a realizar curas em
Catânia.
- SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA
Teve forças para livrar-se do
constante assédio de espíritos inferiores. Foi clarividente, possuía o dom da
profecia, de bilocação (está em dois lugares diferentes ao mesmo tempo) e cura.
Curou uma menina de 4 anos, aleijada e atacada de epilepsia.
- SÃO VICENTE DE PAULO
Viu em detalhes o desligamento
e a ascensão do espírito de Santa Joana de Chantal. Depois, celebrando a missa
pela defunta, teve nova visão, persuadindo-se de que aquela irmã era
bem-aventurada e não precisava de orações.
2. CONCLUSÃO
Os santos
eram pessoas dotadas de função mediúnica, seus dons paranormais são
perfeitamente observados, estudados e explicados pela Doutrina Espírita,
constatando-se nenhum fato miraculoso ou inexplicável.
“Nós reconhecemos a existência de Missionários da
Luz em todos os tempos e em todas as agremiações filosóficas ou religiosas da
Terra. Não importa o nome que os designe: benfeitores espirituais, como
comumente os chamamos, Missionários ou Santos, Gurus, Sufis, ou Arhats… Eles se
encarnam em todas as pátrias e desfraldam em todos os ambientes humanos a
bandeira da espiritualidade superior de que são intérpretes e mensageiros.
Naturalmente, condicionam sua linguagem ao seu meio e ao seu tempo, como também
é natural que sejam influenciados humanamente pela sua época e pelo seu
ambiente”. (Clóvis
Tavares)
3. REFERÊNCIAS
-
Clóvis Nunes Tavares e Flávio Mussa. Mediunidade
dos Santos. São Paulo: Prestígio, 2005.