No dia 18 de abril de 1857 o Sr. Allan Kardec lançou a primeira edição
de “O Livro dos Espíritos – Uma filosofia espiritualista”, originalmente com
518 perguntas. Composto na forma de perguntas e respostas, dividido em quatro
livros, sendo estes livros por sua vez divididos em capítulos, “O Livro dos
Espíritos” trata de forma geral da doutrina espírita. Todos os assuntos que
seriam posteriormente aprofundados nas demais obras de Kardec foram abordados
n’O Livro dos Espíritos.
- Recebimento do Livro
na França
O livro nasceu sob o
signo da polêmica, e como tal, esgotou-se rapidamente. A primeira edição era
composta de três livros (partes), intitulados “Doutrina Espírita”, “Leis
Morais” e “Esperanças e Consolações”. A segunda edição, publicada em março de
1860, base da maioria das traduções brasileiras, foi uma ampliação
significativa da primeira edição. Ela apresentava 1019 questões feitas aos
espíritos, acrescidas de comentários.
A primeira parte
desdobrou-se em duas: “Causas Primeiras” e Mundo Espiritual ou dos Espíritos”. Criticado
por uns, elogiado por outros, o livro coroa o projeto original do Prof. Rivail (Allan
Kardec) de discutir filosoficamente com os espíritos, através de diferentes
médiuns, questões de assuntos diversos, capazes de circunscrever uma doutrina
que tratasse da origem, trajetória e destino dos Espíritos.
Os leitores
cuidadosos verão que os Espíritos dissertam sobre temas caros à Filosofia e aos
filósofos europeus do século XIX, o que tornou o livro singular entre a
produção espiritualista de seu tempo.
- Como foi Redigido O
Livro dos Espíritos?
As principais fontes
que temos são a Revista Espírita, publicada mensalmente por Kardec e os textos
autobiográficos publicados no livro “Obras Póstumas”, especialmente o que se
intitula “Minha iniciação ao Espiritismo”.
Silvino Canuto Abreu
é um dos autores brasileiros que tratou do tema com fontes privilegiadas. Ele
teve acesso a documentos de Kardec, como a sua correspondência, ainda não
publicada.
O Prof. Rivail se
aproximou dos grupos espíritas a convite de confrades magnetizadores, embora
não acreditasse na manifestação de Espíritos. À sua época, já houvera tido
contato com sonâmbulos, que eram pessoas que alteravam seu estado de
consciência sob efeito do magnetismo e eram capazes de relatar percepções que
não seriam possíveis pela via dos sentidos, como a realização de diagnósticos
de órgãos internos dos consulentes.
Os médiuns
norte-americanos haviam estado na Europa e fizeram demonstrações de fenômenos
das chamadas “mesas girantes”. Canuto Abreu afirma que antes de sua passagem,
nos círculos de magnetizadores, alguns fenômenos já haviam sido objeto de
experimentação com sonâmbulas francesas.
Rivail frequentou
grupos mediúnicos que recebiam convidados externos. Impressionou-se com as
informações que os Espíritos traziam através da psicografia mecânica, observou
outros tipos de mediunidade, como a incorporação, o sonambulismo mediúnico
inconsciente, a mediunidade auditiva e a clarividência, ao longo de seus
estudos. Contudo, ele se incomodava com o caráter fútil das perguntas que eram
dirigidas aos espíritos em alguns
destes círculos.
destes círculos.
Os Espíritos
incentivaram Rivail a empreender um projeto de pesquisa sério, o que o levou a
desenvolver uma metodologia própria para fazer o diálogo com os Espíritos e
redigir seu livro. Ele focalizou suas questões em três grandes temas: a
Filosofia Geral, a Psicologia e a Natureza do Mundo Invisível. (Obras Póstumas, pág. 269.)
- As Médiuns de Rivail
No princípio de seu
trabalho, Rivail obteve muito material e teve a oportunidade de questionar
diversos Espíritos através da mediunidade de psicografia mecânica de Caroline e
Julie Baudin. Em 1855 as jovens apresentavam, respectivamente, as idades de 16
e 14 anos.
Basicamente, Rivail
preparava os temas, desenvolvia perguntas em sua casa, multiplicava questões
sobre os temas, de forma a deixá-los claramente expostos e os levava à
residência das Baudin. Elas psicografavam com o auxílio de uma “corbeille
toupie”, ou cesta de bico, que era uma cesta comum com uma ponta na qual se
colocava um lápis ou outro material capaz de escrever sobre a ardósia. As
meninas colocavam a ponta dos dedos no corpo da cesta (as duas ao mesmo tempo),
esta movimentava-se redigindo as respostas às questões propostas, enquanto as
jovens conversavam assuntos diversos. (Obras
Póstumas, página 267.)
Rivail formulava as
perguntas verbalmente e às vezes mentalmente (Obras Póstumas, página
268.), o que lhe dava mais confiança na existência de seres inteligentes,
capazes de lhe perceber os pensamentos.
Os Espíritos
incentivaram Rivail a rever os conteúdos e ele resolveu submeter os textos a
outros médiuns. A terceira principal médium da construção da primeira edição de
“O Livro dos Espíritos” foi Ruth Celine Japhet, que concedeu a Rivail, a pedido
dos Espíritos, sessões sem público, voltadas à revisão do texto do livro
nascente.
Canuto Abreu afirma
que Kardec incentivou posteriormente as médiuns a escreverem com pena de pato,
o que aumentou a capacidade de produção mediúnica. Além das três médiuns,
Kardec incluiu textos recebidos por correspondência ou de círculos que visitou
(Revista Espírita, 1858, pág. 34.) e contou com a colaboração de outros
médiuns 6 (Obras Póstumas, pág. 270), em menor escala.
“Da fusão de todas
essas respostas, coordenadas, classificadas e muita vez recompostas no silêncio
na meditação, foi que elaborei a primeira edição de O Livro dos Espíritos,
entregue à publicidade em 18 de abril de 1857.”
Allan Kardec 7 (7 Cf. Obras Póstumas, pág. 270).
Allan Kardec 7 (7 Cf. Obras Póstumas, pág. 270).
Rivail não publicou o
nome dos médiuns e os protegeu do público o quanto pôde. O assédio e
perseguições sofridas pelas irmãs Fox, nos Estados Unidos, parece ser uma das
razões de tanto zelo com a identidade das jovens. Ele, mesmo adotando
pseudônimo, contudo, não seria poupado.
- O Método de Kardec
Por que Rivail fez as
mesmas perguntas para médiuns diferentes, por que submeteu o texto à apreciação
de diferentes espíritos antes de publicá-lo? Este é o cerne do método
desenvolvido por ele para o intercâmbio com o mundo espiritual.
Em primeiro lugar,
Kardec não considerava os espíritos como reveladores (Obras
Póstumas, pág. 269), mas como fontes de informação. Pessoas
desencarnadas, com maior ou menor capacidade de explicação de sua realidade,
mais ou menos ligadas às crenças que defendiam antes da morte. Pode-se dizer que
no entendimento de Kardec, é necessária uma análise o mais ampla e franca
possível daquilo que é produzido pelos médiuns, seja pelas limitações dos
espíritos, seja pelas limitações dos próprios médiuns.
Este segundo ponto é
uma das razões pelas quais Kardec confirmava informações obtidas por médiuns
intuitivos com médiuns mecânicos. Uma vez que o fenômeno se dá com menor
influência das ideias próprias do médium mecânico (recorde-se que as meninas
conversavam enquanto a cesta escrevia frases de conteúdo diverso), o
codificador os considera importantes para o trabalho de revisão. As reservas de
Kardec à produção mediúnica dos médiuns intuitivos são conhecidas. Ele escreve
que “são muito comuns, mas muito sujeitos a erros, por não poderem discernir,
muitas vezes, o que provém dos Espíritos do que deles próprios emana”. (O Livro dos Médiuns, cap. XXVI, pág. 235.)
Uma terceira
característica do método de Rivail é o diálogo socrático com os Espíritos.
Rivail multiplica perguntas e usa a razão como instrumento para separar as
respostas gratuitas daquelas elaboradas e encadeadas com lógica. Rivail conhece
bem as limitações da mediunidade. Em um texto intitulado “Contradições na
Linguagem dos Espíritos” (11 Revista Espírita, 1858, pág.
225 e 226.) ele relaciona os seguintes pontos:
1. O grau de ignorância ou de saber dos
Espíritos aos quais nos dirigimos;
2. O embuste dos Espíritos inferiores que podem, por malícia, ignorância ou malevolência e tomando um nome de empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito cujo nome usurparam;
2. O embuste dos Espíritos inferiores que podem, por malícia, ignorância ou malevolência e tomando um nome de empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito cujo nome usurparam;
3. As falhas pessoais do médium, que podem
influir sobre as comunicações, alterar ou deformar o pensamento do Espírito;
4. A insistência por obter uma resposta que
um Espírito recusa dar, e que é dada por um Espírito inferior;
5. A própria vontade do Espírito, que fala
conforme o momento, o lugar e as pessoas e pode julgar conveniente nem tudo
dizer a toda gente;
6. A insuficiência da linguagem humana para
exprimir as coisas do mundo incorpóreo;
7. A interpretação que cada um pode dar a uma
palavra ou a uma explicação, de acordo com as suas ideias, os seus preconceitos
ou o ponto de vista sob o qual encara o assunto.
Mesmo limitada, a
mediunidade é o único meio de comunicação que dispomos e que Rivail dispunha em
seu tempo com os Espíritos. Seus cuidados possibilitam a obtenção de um
conhecimento de qualidade superior. Os cuidados com O Livro dos Espíritos
influenciaram as obras posteriores que lhe foram um “desenvolvimento de
assuntos específicos”, tratados de maneira geral no coração da codificação.
- Os Desdobramentos de “O Livro dos Espíritos”
A publicação de O
Livro dos Espíritos é um marco no movimento espírita, especialmente nos países
neolatinos. Enquanto encarnado Kardec supervisionou 13 edições de O Livro dos
Espíritos. A atual tradução da FEM (Federação Espírita Brasileira) realizada
por Evandro Noleto Bezerra, mostra que à exceção da segunda edição, as demais
tiveram mudanças pontuais (explicadas pelo tradutor na edição comemorativa dos
150 anos de O Livro dos Espíritos).
As principais
lideranças do movimento francês foram atraídas ao Espiritismo pela leitura
desta obra, vários foram os pesquisadores e cientistas que se envolveram com estudo da Doutrina Espírita, dentre os quais podemos citar Léon Denis, Camille Flammarion, Amalia Domingo Soler, Gabriel Delanne, Sir William Crookes, Cesare Lombroso, Charles Richet, Pierre-Gaetan Leymarie, Daniel Dunglas Home, Eusapia Palladino e Oliver Lodge.
No Brasil, a primeira
tradução em língua portuguesa (feita a partir da 12 a. edição francesa) parece
ter sido feita por Joaquim Carlos Travassos, tendo adotado o pseudônimo de
Fortúnio e publicado pela famosa Editora Garnier, no Rio de Janeiro em 1875.
Travassos teria presenteado Bezerra de Menezes com o livro, que o teria
convertido.
A Federação Espírita
Brasileira tem publicado até o momento a tradução de Guillon Ribeiro, mas são
muito conhecidas a tradução comentada feita por José Herculano Pires e a
tradução do Instituto de Difusão Espírita, feita por Salvador Gentile. De
acordo com a LIHPE (12 Liga de Historiadores e
Pesquisadores Espíritas), são conhecidas as traduções do livro para nove
idiomas: o português, o espanhol, o italiano, o alemão, o inglês, o esperanto,
o grego e o árabe.
- Conclusão
Aquele que desejar conhecer a doutrina espírita tem como caminho mais
curto a leitura e o estudo do Livro dos Espíritos. Aquele que dela se aproxima
com o intuito de estudá-la tem nessa obra sua melhor introdução e roteiro
geral. Pois, a partir dela é que foram escritas as demais obras que formam a
base doutrinária do Espiritismo: O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo,
A Gênese e O Céu e o Inferno.
As 1019 perguntas e respostas fornecem o cabedal de conhecimento básico
da doutrina espírita. Ler, reler, estudar com atenção esta obra é o mínimo que
se espera de alguém que se denomine espírita.
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